Pensar
a educação das crianças de 0 a 3 anos hoje, frente a experiência
que nós já temos acumulada de educação de crianças dessa idade,
exige uma mudança profunda, radical e de conjunto.
Por
que profunda? Porque de fato frente àquilo que a gente sabia e
frente ao que a gente sabe hoje sobre quem são as crianças pequenas
e as crianças pequenininhas e como elas aprendem isso vai exigir uma
profunda mudança nas nossas atitudes. É como colocar um pouco de
ponta cabeça aquilo que a gente fazia. Repensar, pensar de novo.
Pensar em novos dados.
Por
que uma mudança radical? Porque não se trata de pensar elementos
superficiais, mas se trata de mudar algumas práticas, se trata de
mudar nossas atitudes, mudar o referencial teórico pelo qual a gente
pensa a infância.
E
por que de conjunto? Porque não é o jeito que a gente dá banho. É
mudar o conjunto. É mudar a nossa relação com a criança. É a
forma como a gente organiza o espaço. É a forma como a gente pensa
a alfabetização e o uso do tempo. É a forma como nos relacionamos,
como nos relacionamos com as crianças, é a forma como permitimos
que as crianças se relacionem entre elas. Como nos relacionamos com
as famílias e até como nos relacionamos, nós, adultos, dentro da
escola.
É
urgente atualizarmos nossas práticas em educação infantil. Frente
a tudo que se tem pesquisado nos últimos anos, não só na educação,
na antropologia, na psicologia, na filosofia, na medicina, na área
nova do conhecimento da medicina que se chama neurociência, …
então nós temos descoberto por um conjunto de pesquisas quem é a
criança pequenininha, que tempo é esse da infância, o que é o
desenvolvimento humano, o que esse desenvolvimento envolve e portanto
o papel da escola nesse processo, que papel tem a escola das crianças
pequenininhas, que papel tem o professor nessa educação, que lugar
a criança deve ocupar nessas relações. É um conjunto de elementos
novos dos quais a gente precisa se apropriar nessa tarefa, todos nós,
educadores da infância, temos como compromisso conhecer e começar a
praticar sob pena da gente morrer e daqui a duzentos anos ter a
consciência pesada por não ter feito as coisas que a gente devia
fazer.
Quero
apresentar uma discussão teórica. A teoria sempre orienta o nosso
trabalho, quer a gente saiba, quer a gente não saiba, quer a gente
goste, quer a gente não goste, tem sempre teoria por detrás daquilo
que a gente faz. E quando a gente não conhece essa teoria, a gente
poder ser, como costumo dizer, inocente, inútil. Útil para poucos e
inútil para as novas gerações que precisam do trabalho da gente.
Quero
trabalhar um pouco nessa linha, da gente pensar o que é que a gente
sabe hoje sobre criança pequena e que constitui uma teoria que
fundamenta a nossa ação pedagógica na escola. O que se sabe hoje
sobre educação da criança pequena e que constitui um fundamento
para a gente constituir uma teoria pedagógica para educar crianças
pequenas.
Vou
começar a discutir dois conceitos e esses conceitos são
fundamentais, não só para pensar o nosso trabalho ao longo do ano,
pensar o nosso trabalho enquanto professor de educação infantil,
mas ele é fundamental para a gente pensar todo dia o que é que a
gente está fazendo, o que a gente está proporcionando para as
nossas crianças.
O
primeiro conceito que eu quero começar a discutir é o conceito de
ser humano. Quem é o ser humano? E alguém pode dizer “xii, vão
começar lá no comecinho?” Nós vamos começar lá nesse comecinho
porque é essa compreensão que é o divisor de águas de tudo que se
tem descoberto nos últimos tempos e que torna a educação das
crianças pequenininhas uma ciência. E que torna o professor de
educação infantil e o professor e a professora de criança
pequenininha (e eu estou chamando de professor todos os profissionais
que se envolvam com criança pequena, porque na hora de aprender a
criança não diferencia se é a professora, se é a faxineira, se é
a merendeira, se é a diretora, é o adulto que se relaciona com a
criança, que faz esse trabalho de professor, ainda que, nós vamos
discutir) professor de criança pequena precisa descobrir, como diz a
professora Ana Lúcia Goulart de Faria, da Unicamp, como é que é
ser professor, que não dá aula, porque não é sob a forma de aula
que as crianças aprendem, que não tem sala de aula portanto, pois
as crianças estão aprendendo em todos os lugares onde elas estão e
não tem aluno, tem criança, que tem uma característica, tem uma
forma de aprender muito específica. Com isso não estou defendendo a
escola de Ensino Fundamental do jeito que ela é organizada, não.
Nós sabemos que é preciso, necessário e urgente também
transformar de forma profunda, radical e de conjunto essa escola, que
no mínimo tem garantido que 40% dos alunos que passam pela escola
hoje e pensando em doze anos de ensino de quem entra no primeiro ano
e sai lá no décimo segundo no Ensino Médio, essa escola que nós
estamos vendo, que estamos sustentando com os nossos impostos, essa
escola está formando 40% (para ser bem cuidadosa nos dados), de
analfabetos funcionais. Pessoas que passam pela escola, ficam aí
doze anos e não sabem ler e escrever. Também essa escola de Ensino
Fundamental precisa ser profundamente transformada. Mas corresponde à
escola de Educação Infantil, de três a seis anos, que se baseou na
escola de Ensino Fundamental, que olha para a escola de Ensino
Fundamental para se constituir. E a escola de 0 a 3 que costuma olhar
para a escola de 3 a 6 para se constituir, tudo isso precisa ser
revisto profundamente. É disso que nós vamos tratar hoje.
Então
nós vamos começar pelo conceito de ser humano, entender o conceito
de desenvolvimento, o que é desenvolver, depois vamos falar sobre o
conceito de infância, o conceito de criança, vamos discutir o
processo de como as crianças aprendem, como as crianças
pequenininhas aprendem e vamos pensar nas implicações pedagógicas
disso. E vamos pensar como devemos atuar na educação da criança
pequenininha.
E
nesse momento, para a gente discutir como tem de atuar, para dar uma
força na nossa reflexão e nas nossas referências, eu trouxe três
vídeos que mostram a experiência mais avançada em Educação
Infantil no mundo. Que é a experiência Pickler/Lóczi. Trago essa
experiência nessa perspectiva de a gente perceber um pouco o que
setenta anos de pesquisa desse grupo, que faz pesquisa com criança
pequenininha desde o final da Segunda Guerra Mundial. O que eles têm
para contar para a gente? Então vamos aos vídeos, eles são
antigos, tem vinte e poucos anos. Precisam ser olhados com os olhos
de hoje mas essa experiência constitui a matriz para todas as
experiências legais que acontecem pelo mundo: na Itália, as
experiências legais na Espanha, as experiências muito legais na
Suécia, na Finlândia, na Noruega, na Dinamarca. Onde tem
experiência legal em Educação Infantil aprendeu com Lóczi. Trago
essa experiência nessa perspectiva e as pessoas perguntam: “É
para fazer igual?” Se a gente der conta, é para fazer igualzinho.
Porque é a coisa mais legal que tem.
Então
nós vamos falar de três elementos: da comunicação emocional,
essencial para a formação e o desenvolvimento das crianças
pequenas, vamos falar da atividade autônoma com objetos, vamos falar
da autonomia do movimento. Esses três pilares da experiência de
Lóczi nós vamos tratar aqui.
Vamos
começar a falar um pouco da concepção de ser humano e porque esse
conceito é o divisor de águas na formação do professor de
Educação Infantil. Quem é o ser humano e como ele se torna humano.
Será que ele já nasce humano? Tinha um bebezinho aqui, agora, há
pouco. Se a gente pegar esse bebezinho e deixar ele quietinho num
lugar, sem ver ninguém, a gente vai lá garante a comidinha, coloca
uma mamadeira na ponta de uma vara de pescar, vai lá e alimenta, vai
lá com umas luvas de borracha troca, não fala com ele, não
conversa, não estabelece nenhum contato com ele, garante a
alimentação e deixa ele lá. Será que ele vira um ser humano como
a gente? Que fala, que pensa, que conta história, que discute, que
resolve problemas. Pouco tempo atrás se pensava que sim. Se pensava
que a inteligência e a personalidade das pessoas eram naturais,
nasciam com a pessoa. Por isso é que as creches tinham monitoras,
pagens, babás, gente que dava banho nas crianças na hora que
precisava, que trocava as crianças na hora que precisava, alimentava
as crianças na hora em que precisava e ponto. Por isso é que as
nossas creches eram um depósito de crianças. Por que? Porque se
pensava que tudo o que o ser humano ia ser quando crescesse já
estava dado lá em cada um e que a educação não interferiria. A
educação ensinaria a pedir licença, dizer faz favor, dez mais dez,
cinco mais cinco, quinze menos cinco. E o papel da educação era
esse: transmitir conteúdos e informações. Os estudos mais recentes
demonstraram que o papel da educação é muito pouco. Graças a Deus
porque senão a gente ia perder os nossos postos de trabalho já,
pois se fosse só para garantir a informação, hoje a informação
chega nas pessoas e nas crianças pequenas, inclusive, de várias
formas. Na verdade, nós fomos salvos pelo gongo da ciência, que
mostra que nosso papel como professor de Educação Infantil é
formar aquilo que a ciência pensava que antigamente já era natural
da pessoa e que a ciência contemporânea descobre que não é
natural. Inteligência e personalidade são aprendidos desde que o
bebê nasce. A forma como eu toco, o que eu falo com ele, como eu
falo com ele, como que eu troco, como eu dou banho, como eu alimento,
o que eu arrumo para ele fazer, enfim. Daí até os mais velhos a
mesma relação. Como eu me relaciono, que material eu disponibilizo
para ele, que coisas eu trago para ele conhecer, para ele fazer, como
é que eu trato... Esses elementos é que formam a inteligência e a
personalidade de cada criança. Então, quando a gente fala de
desenvolvimento, papel da escola é desenvolver as crianças,
promover o desenvolvimento, promover o desenvolvimento do quê? Da
inteligência e da personalidade. Por isso que o professor é o
intelectual mais importante na sociedade. Ele é o responsável pela
formação da inteligência e da personalidade das novas gerações.
Não está para ensinar a somar, subtrair e multiplicar, isso também,
mas isso é o mais visível. O invisível talvez constitua um dos
elementos mais importantes, que é, justamente, a capacidade de
resolver problemas, a capacidade de se expressar nas diferentes
linguagens, os valores, os motivos das ações, a moral, a ética, as
habilidades, as capacidades, aquilo que a gente chamava de dom
antigamente, tudo isso é fruto das aprendizagens. Então, o ser
humano, ele se humaniza por conta da educação. A educação tem o
papel de formar o que é o humano nos seres humanos. Nós, seres
humanos, nascemos com nosso corpo, aquilo que nós identificamos como
corpo humano, não tem pelo, que não tem dente canino que vem até
aqui para disputar a carne na raça… essa característica física
humana nós temos, mas a característica intelectual, a
característica subjetiva, isso é aprendido. A infância é esse
tempo fundamental para essas aprendizagens. Nós não precisamos
ficar inventando coisas para as crianças aprenderem na Educação
Infantil. Criança na Educação Infantil não precisa aprender a ler
e a escrever porque ela está ocupadíssima formando as funções
psíquicas de sua personalidade: memória, percepção, linguagem
oral, outras formas de expressão, pensamento, imaginação,
autocontrole da vontade… aprendido. A pessoa não é disciplinada;
a pessoa está. Ela aprende a ser disciplinada.
Esse
conjunto dessas funções psicológicas que só os seres humanos têm,
essas funções são aprendidas. Por isso fora da criação, fora da
educação coletiva, os bebês não se tornariam seres humanos como a
gente. Poderiam até ter um físico humano mas não seriam pessoas
com capacidades, habilidades e aptidões que as pessoas que vivem em
sociedade aprendem a ter. Esse é um ponto de partida para o nosso
trabalho. Esse conceito de ser humano como produto dos processos
educativos é fundamental para nossa atividade. Para a gente saber o
que é que nós estamos fazendo na escola. Essa concepção de
infância é fundamental para o nosso trabalho. Estamos educando as
crianças e formando as crianças… Vigotsky, inclusive, não
gostava dessa palavra “desenvolvimento” mas ele acabou usando
porque é uma palavra que as pessoas usam para se comunicar. Mas ele
dizia que quando a gente trata de desenvolvimento humano, nós
precisamos entender formação e desenvolvimento. Porque quando a
gente trata de desenvolvimento dá a impressão de uma coisa que já
tem e nós vamos garantir só o aumento quantitativo e qualitativo. E
quando a gente vai falar de memória voluntária, quando a gente vai
falar de atenção voluntária, não aquela atenção… porque os
cachorros também prestam atenção. Aí explode uma coisa aqui e vai
para lá, esquece isso aqui. Essa atenção voluntária… estou
prestando tanta atenção que ao ouvir um barulho lá fora, continuo
prestando atenção no que você está falando. Esse controle sobre a
nossa memória, esse controle sobre a nossa atenção, mais a
imaginação são funções que são aprendidas nas relações
sociais e esse é o papel do educador da infância. A infância como
um tempo dessa apreensão.
E
o conceito de criança? Será que a gente continua com o mesmo
conceito que a gente tinha como criança coitadinha, pequenininha, ah
tadinho, bobinho, pode falar qualquer coisa perto dele que ele não
entende? A criança que nasce dessa compreensão teórica é uma
criança competente, capaz, capaz de aprender. Não sabe, coitada,
porque não nasceu sabendo. Mas é capaz de aprender se eu souber
ensinar. É aí que se torna importantíssimo compreender como é que
as pessoas aprendem. Aprendem as habilidades, aprendem as memórias,
aprendem a pensar, aprendem a controlar sua própria conduta. Como as
pessoas aprendem a prestar atenção? Como será que as pessoas
aprendem? Vigotsky vai falar de uma lei genética geral do
desenvolvimento humano. O que diz essa lei? A princípio explica
tudo, porque é geral. Antes de uma função (um pensamento, a fala,
a imaginação, uma habilidade), antes dela ser interna, ela é
externa. Antes de eu resolver problemas sozinha, teve uma outra etapa
anterior de resolução de problemas em grupo. Antes de eu imaginar
sozinho, teve uma etapa anterior à minha imaginação que foi
imaginar coletivamente. Antes de eu ser educado eu mesmo, saber como
me comporto, pedir licença, por favor, você poderia, teve uma etapa
em que eu experimentei essas relações sociais coletivamente. Então,
todas as funções psicológicas superiores que são as que nos
caracterizam como seres humanos, diferente dos outros animais, são
funções que são internalizadas. Elas existem no coletivo, em
certas relações sociais e por isso eu vou internalizando, vou fazer
com que elas também se tornem minhas. Está aí uma discussão
importantíssima para a gente pensar quais são as situações que
nós estamos oferecendo de aprendizado para nossas crianças. O que
nós estamos ensinando para as crianças de fato. Porque elas estão
aprendendo aquilo que elas estão vivendo com a gente. Isso aí é
uma coisa que a gente precisa avisar aos pais. Porque os pais ou
pensam que as crianças já nascem sabendo, ou pensam: falou uma vez
e já aprendeu. Que eles podem falar uma coisa e fazer diferente. As
crianças aprendem pelas relações sociais que elas vivem. É pela
convivência.
Eu
fiz com as minhas alunas uma pesquisa, assim, bem bobinha para
perceber … cada uma usou uma estratégia com as crianças. Quando
então uma das meninas começou a dizer “dá licença” para
perceber quanto tempo demorava para a turma inteira precisar pedir
licença para pedir as coisas. Então ela começou a usar a palavra:
“turma, dá licença, eu vou precisar sair um pouquinho”. Antes
ela saía e não avisava. “Vocês me dão licença, eu vou falar
uma coisa”; “Dá licença, eu vou precisar desse lápis” …
Uma semana depois, metade da turma já estava falando “Dá licença”
em algum horário. Duas semanas depois a turma inteira tinha
incorporado a atitude. As experiências que as crianças vivem no
coletivo vão sendo internalizadas, assim elas vão aprendendo, assim
elas formam aptidões, assim elas formam capacidades, assim elas
formam habilidades, elas aprendem valores, aprendem sentimentos, e
elas formam também essas funções psicológicas superiores com o
uso. Leontiev, que trabalhou junto com Vigotsky, vai dizer mais ou
menos a mesma coisa mas de um outro jeito. Ele vai dizer: a gente
forma essas funções de memória, de pensamento, à medida que a
gente precisa. Precisa memorizar alguma coisa? Você tem uma tarefa
que precisa memorizar, vai exercitando a memória e aprende. Você
tem uma tarefa que exige você pensar, você vai exercitando e
aprendendo. É o exercício que forma. Para o exercício precisa
antes ter a necessidade. Precisa ter uma coisa que me envolva. Por
isso, uma das tarefas do professor é criar nas crianças
necessidades. Ninguém nasce com necessidade de uma história. A
gente precisa comer, beber e dormir. A necessidade de ouvir histórias
a gente forma na gente à medida que tem alguém que conta histórias
bem legal. Nossa, eu começo a adorar isso. A necessidade de
atividade física, quem é atleta sabe disso, quem é bailarino,
chega nas férias fica fissurado. “Ai, meu Deus, o que é que eu
vou fazer. Não tem aula de balé hoje, o que eu faço?” A
atividade cria a própria necessidade. Então, nós precisamos
trabalhar com essa ideia.
Bem,
então já falamos um pouco do conceito de ser humano, do conceito de
desenvolvimento, mas falta ainda a gente falar de uma coisa
importante, como forma de conclusão disso que a gente está falando.
Durante muito tempo, pensava-se que a aprendizagem acontecia depois
que a pessoa tivesse se desenvolvido. Por isso o conceito de criança
pequena, pequenininha, que não é capaz, incompetente. Foi o viés
biológico que ajudou a gente a pensar isso. A criança cresce um
pouco, aparecem as funções e aí fica uma via aberta para aprender.
Os estudos têm mostrado que é o oposto disso. Não tem
desenvolvimento natural. Tem formação e desenvolvimento de funções
psicológicas superiores movidas pela aprendizagem. Movidas pelo
exercício coletivo. Movidas pela atividade social. São as
aprendizagens que movem o desenvolvimento. Daí mais ainda a
importância do professor. Porque é o professor que vai garantir o
que deve promover situações em que as crianças aprendam, e, à
medida que aprendem, se desenvolvem. Então, o conceito de
aprendizagem, o conceito de desenvolvimento, o conceito de ser
humano, o próprio conceito de criança, que é capaz de aprender,
que também nasce nessa mesma compreensão. Se estou percebendo que a
criança está se desenvolvendo desde que ela nasce é porque ela
está aprendendo. À medida que a gente vai percebendo isso, vai
ficar cada vez mais importante a gente entender como é que as
crianças aprendem. Nós já comentamos que elas aprendem na relação
social. Mas se tem uma coisa acontecendo aqui e eu estou aqui só de
corpo presente, não estou afim e nem um pouco com vontade de me
envolver na necessidade de aprender sobre o que esse grupo está
fazendo, será que meu aprendizado é igual a uma outra situação em
que eu estou envolvida com o grupo, estou interessada, precisando
aprender aquilo, estou ligada naquilo que está acontecendo. A gente
sabe que o adulto ou a criança aprende quando ele é sujeito da
atividade. Não adianta a gente pagar uma boa escola, passar no
vestibular, encostar na cadeira e deixar o professor me ensinar. Quem
aprende, aprende na condição de sujeito. Aprende porque está
interessado. Isso aí me afeta, faz sentido. Só aprendemos na
condição de sujeito. Por conta das experiências que a gente vive e
que move o nosso desenvolvimento. É preciso, e esse é o papel
importante do professor, criar as necessidades nas crianças,
despertar nas crianças o querer, despertar as crianças para estarem
ativas no processo. Vamos conversar um pouco sobre isso.
A
gente sabe que as crianças aprendem desde que elas nascem, mas em
cada idade elas aprendem de um jeito. Vigotsky vai dizer que a gente
aprende sempre devido à contradição que a gente está vivendo. De
repente, se a gente cai de paraquedas lá na China, nós vamos ter
que nos comunicar. O que é que vai acontecer? Nós vamos fazer um
baita esforço para aprender. Mímica até um determinado ponto mas
depois já não resolve mais. Qual é a contradição que move o
desenvolvimento das crianças pequenininhas, os bebês? Vigotsky vai
responder essa pergunta. A grande contradição do primeiro ano de
vida é que as crianças dependem profundamente dos adultos, Uma
coisa está lá mas eu não consigo me mexer daqui. Eu quero … eu
estou precisando tomar uma aguinha agora. Mas eu estou aqui, sou
bebê, não consigo me mexer. Alguém precisa ver que eu estou
molhadinha e eu quero trocar de roupa. Essa é a minha contradição.
O que eu faço? Então ele vai dizer que ao mesmo tempo que a criança
tem necessidades que a tornam profundamente dependente do adulto, ela
não consegue comunicar. Ela não tem nenhuma linguagem desenvolvida
ainda. Ela não tem uma mímica. Nem uma linguagem oral. Mas ela
precisa se comunicar. Então, esse “precisar se comunicar” faz
com que a atividade que mais proporciona o desenvolvimento dela ao
longo do primeiro ano seja a comunicação emocional. Essa
comunicação que ela faz com o adulto. A mãe fala isso “esse
choro eu já sei do que que é; ah, esse choro é de fome; esse choro
é de dor.” A criança vai estabelecendo uma comunicação
emocional com o adulto. Só o jeito que ela olhou para mim, eu já
sei, alguma coisa deu errado aí e ela está querendo a minha ajuda.
Então, comunicação emocional é a primeira atividade das crianças
ao longo do primeiro ano. Criança se comunica com o adulto chorando,
daqui a pouco apontando, daqui a pouco fazendo um ruído, daqui a
pouco olhando a coisa, enfim. O adulto se comunica com a criança
também: olhando e a forma como ele olha, tocando, a forma como a
gente toca, falando, a forma como a gente fala. Esses elementos vão
constituir, do ponto de vista da criança e do ponto de vista do
adulto, a linguagem da comunicação dessa idade. Dependendo da forma
como o adulto pega a criança do berço, está falando alguma coisa
para a criança. E essa coisa que ele está falando vai formando a
sua autoestima. Vai formando a imagem do que a criança é. Se o
adulto pega a criança e dá uma sacudida e vai falando, a criança
não precisa nem entender o que o adulto está falando, só o jeito
de como ele faz vai criando nela uma autoestima, às vezes vai
murchando a flor. Se o adulto pega a criança como… outro dia eu
fiz uma reflexão sobre a cadeira do meu dentista. O meu dentista faz
assim: eu sento lá e ele vai conversando. “Eu vou abaixar a
cadeira, agora eu vou deitar. Agora eu vou subir não sei o que. Eu
sei que ele me avisa, assim eu não levo susto. E
aí, saindo de lá, eu fui para a creche. Aí eu vejo a educadora,
que por não ter formação, por nunca ter pensado sobre isso, como
eu também não tinha até aquele momento, me pega uma criança, a
criança estava brincando, para limpar o nariz. Fazer uma boa ação.
Só que a forma como ela fez foi uma forma não pensada sob o ponto
de vista da educação da autoestima da criança. É uma forma não
pensada em relação à formação de alguém que está descobrindo
quem eu sou. Ela chegou, colocou a mão por detrás do cangote, com a
outra mão ela chegou com o papel higiênico e pegou o nariz da
criança e deu-lhe. A criança levou um susto e imediatamente eu me
lembrei do dentista. Por que o dentista me trata assim e a gente não
trata assim as crianças pequenas? Quando o dentista está me
tratando, sobe a cadeira, puxa a cadeira, vou acender a luz, vou
apagar a luz, ele está me respeitando. Ele não quer que eu leve um
susto. Vocês sabem que quando a gente vai ao dentista já vai com os
batimentos cardíacos meio fora do lugar. Vai com medo. Uma coisa que
você não entende que o outro vai falar ou vai fazer. Ele me
respeita e nós precisamos mostrar o mesmo respeito pelas nossas
crianças pequenas, fazendo com que elas sejam, não objeto da nossa
intervenção, mas sujeito da nossa intervenção. E uma forma de
fazer o outro, a pessoa ser sujeito é eu contar para ela o que vai
acontecer. Por exemplo, com a criança pequenininha, criança
pequena, de modo geral, essa relação respeitosa do adulto vai
formando nela a autoestima, a identidade. Como diz Vigotsky “eu me
torno pessoa por meio das outras pessoas”. É o que as outras
pessoas falam de mim, é o que as pessoas fazem com relação a mim,
vai constituindo em mim a imagem de quem eu sou. Nessa relação com
o outro é que eu vou constituindo minha identidade. Vamos assistir o
vídeo do Instituto Lóczi e ele vai mostrar para a gente como a
gente faz criança pequenininha ser sujeito da atividade. Que
atividade é essa que a gente faz com criança pequenininha: banhar,
trocar, alimentar. Essas três atividades, ah e colocar para dormir.
Essas quatro atividades constituem os momentos de educação das
crianças pequenas. É por isso que os documentos oficiais hoje no
Brasil falam de educar e cuidar, como uma atividade inseparável. Por
que? Porque a criança pequenininha só aprende no contato com o
outro, através da relação emocional. E essa relação emocional,
ela só acontece quando eu estou numa relação face a face. Eu de
cara com o bebê e o bebê de cara comigo. É esse o momento em que o
bebê aprende. E é esse, por acaso, o momento do cuidado. O momento
do cuidado está começando a se tornar o momento essencial em que o
adulto educa a criança. Pela forma como ele toca, pela forma como
ele fala, pela forma como ele respeita o movimento da criança.
Uma
questão de princípio se mantém: a forma da relação do adulto com
a criança. Em setenta anos de pesquisa descobriram que se o adulto
utilizar, o que eles chamam de coreografia, a criança vai aprendendo
essa coreografia. O que é a coreografia na hora de tomar banho? Os
adultos começam a dar banho na criança pela mão. Primeiro a mão
esquerda, depois a mão direita; depois o pescoço na frente, depois
o pescoço atrás, depois o braço…tem uma sequência, e não é
uma sequência mecânica, mas é uma coreografia que se junta com a
fala e que vira a abordagem com a criança na hora do banho. Que vai
promovendo o conhecimento dessa sequência e a possibilidade dessa
criança colaborar nesse processo. Conhecer e colaborar. Ter uma
reciprocidade na atitude. O educador fala para a criança assim “me
dá sua mãozinha” (a criança não sabe o que é mãozinha) mas se
eu faço isso todos os dias, falando isso, tem uma hora em que ela
sabe o que é mão e ela dá a mão. O educador não faz nada sem o
consentimento e o olhar da criança. O educador nunca pega a criança
de qualquer jeito. Chama a atenção da criança antes de pegá-la.
Carrega ela numa posição que faça ela se sentir confortável.
Quanto menos a gente forçar posturas nas crianças mais qualidade
física de vida elas vão ter. Hoje as pesquisas na fisioterapia
mostram isso para a gente. Quanto menos a gente força a criança a
adotar uma postura física, sentar quando ela ainda não consegue
sentar sozinha, ficar de pé quando ela ainda não dá conta de ficar
de pé sozinha, todas essas posturas, bebê conforto, andador, tudo
está sendo retirado profundamente das práticas porque descobriram
que isso força a coluna, força joelho, um monte de coisa que vai
ser lucrativo para o fisioterapeuta mas não vai ser lucrativo para
as crianças e para a família. Vamos observar um pouco esses
cuidados, de como o adulto pega a criança, como ele respeita a
criança, qual o esforço que o adulto faz para estabelecer essa
relação face a face. Qual o esforço que o adulto faz para
estabelecer essa relação olho no olho com a criança, comunicação
emocional. (Exibição do vídeo da experiência Lóczi)).
Na
experiência assistida, assim como em outras experiências por aí,
afora, o número de crianças por adulto é o mesmo que da gente
aqui, padrão internacional, seis crianças por adulto. Uma coisa que
é importante e que eles descobriram e os ingleses numa outra
pesquisa também comprovaram, no caso da creche que eu acompanho, tem
dezoito crianças e aí tem três adultos. Os adultos circulam com
todas as crianças e as crianças não têm um adulto referência. Lá
em Lóczi e numa pesquisa inglesa eles descobriram o que é ter uma
pessoa, que a gente começa a chamar de pessoa chave para cuidar das
crianças. Então, num grupo de dezoito, em vez dos três adultos cuidarem
de todos os bebês, cada adulto se responsabiliza por seis. Então, o
estabelecimento da relação de comunicação, de troca, de
reciprocidade é muito maior onde tem essa pessoa chave porque a
criança reconhece, se acostuma, responde melhor nessa idade a uma
pessoa única, acompanhando melhor o processo dela. Enquanto
as crianças estão sendo banhadas, as outras estão fazendo alguma
coisa. Nós vamos ver o que é essa outra coisa, portanto, é o
papel do professor da educação infantil promover. Falar um
pouquinho da organização do espaço e da atividade autônoma das
crianças com objetos. Articulação de duas coisas: um tempo de
qualidade que o adulto gasta com a criança e a organização do
espaço onde a criança possa, no tempo em que as outras estão sendo
cuidadas, brincar sozinha com os objetos. E esse é o grande
desafio da educação das crianças nessa idade. Por isso que é tão
importante a forma como nós acolhemos as crianças na escola.
Como que as crianças chegam, como que a gente acolhe essa chegada. A atenção que se presta a esses primeiros momentos de experiência da criança na creche. Porque quanto mais ela tiver confiança no adulto, mais segurança ela tem de estar sozinha. As pesquisas mostram que, uma vez que a criança tem assegurada a sua necessidade de atenção, e essa necessidade a gente assegura no momento da troca, do banho, da alimentação, do encaminhamento do sono, naquele momento que é um a um, educador e criança, quando se garante essa atenção de qualidade, a criança tem vontade de fazer outras coisas. Na psicologia a gente chama de “vontade de obter impressões”. Ela quer ver, ela quer pegar, ela quer colocar na boca, quer bater, quer ouvir barulho, quer experimentar. Articular esses dois momentos. No espaço que a gente vai ver, a articuladora não está dirigindo a atividade das crianças. Ela está dando banho. Indiretamente ela passou por lá. Ela organizou o espaço, ela substituiu objetos, ela está atenta observando. Mas ela não está diretamente dirigindo a atividade. Tanto os objetos que ela colocou, o espaço que ela organizou, que passa a atrair a atenção das crianças.
Como que as crianças chegam, como que a gente acolhe essa chegada. A atenção que se presta a esses primeiros momentos de experiência da criança na creche. Porque quanto mais ela tiver confiança no adulto, mais segurança ela tem de estar sozinha. As pesquisas mostram que, uma vez que a criança tem assegurada a sua necessidade de atenção, e essa necessidade a gente assegura no momento da troca, do banho, da alimentação, do encaminhamento do sono, naquele momento que é um a um, educador e criança, quando se garante essa atenção de qualidade, a criança tem vontade de fazer outras coisas. Na psicologia a gente chama de “vontade de obter impressões”. Ela quer ver, ela quer pegar, ela quer colocar na boca, quer bater, quer ouvir barulho, quer experimentar. Articular esses dois momentos. No espaço que a gente vai ver, a articuladora não está dirigindo a atividade das crianças. Ela está dando banho. Indiretamente ela passou por lá. Ela organizou o espaço, ela substituiu objetos, ela está atenta observando. Mas ela não está diretamente dirigindo a atividade. Tanto os objetos que ela colocou, o espaço que ela organizou, que passa a atrair a atenção das crianças.
2ª
parte
“Ah,
hoje estou cansada, vou deixar as crianças no berço!” Por que a
gente demorou tanto para tirar os berços, quer dizer, estamos
tirando ainda, estamos começando, lutamos ainda contra os berços. O
professor brasileiro ainda se acha com a prerrogativa de decidir se
tira a criança do berço ou não. Se não tivesse esse problema,
podia ter berço. Igual nas famílias, quando nasce um bebê, o que a
gente faz? Compra um berço. Por que a gente compra um berço?
Porque é o lugar do bebê deitar e dormir. Só que o que acontece
com a gente em casa? O bebê acordou e a gente vai lá e tira o bebê
do berço e bota ele para brincar no chão. Se essa fosse a verdade
na escola brasileira, ter berço ou não ter berço não era
problema. O problema é que com as condições de trabalho que estão
avançando… (eu acho que vocês aqui tem uma condição de trabalho
muito legal dentro do que a gente conhece do Brasil a fora). Como a
gente tinha dezoito bebês para uma educadora, o que era o berço?
O berço era a condição de trabalho da professora. Deixava
dezessete no berço e tirava uma para fazer alguma coisa. Por que a
gente lutou tanto para não ter o berço? Para que a criança tivesse
autonomia, não tolhida pelo professor. Vai ter berço ou não vai
ter berço, essa não é a questão. O mais importante é a
criança ter liberdade de experimentação. Nessa época, no
Instituto Lóczi, eles ainda não tinham os berços internos. Hoje
eles ainda mantém os berços externos. Os bebês vão dormir, eles engatinham e vão dormir lá fora, naqueles berços altos que se
viu no vídeo. Mas não passa pela cabeça do professor que a hora
em que a criança começa acordar ele não vai lá e tira a criança
do berço. Da mesma forma, isso é uma coisa da cultura, da mesma
forma que não passa pela cabeça do cidadão suíço votar mais de
uma vez, ainda que ele possa. Eu vi as eleições na Suíça: não
tem título de eleitor, não tem ninguém na seção de votação
controlando você. Você vai lá e vota. Na esquina. Uma urna na
esquina. Quem controla? Ninguém. A pessoa vai lá e vota. Não
precisa de ninguém para controlar. E se a pessoa quiser votar mais
de uma vez? A pessoa olhou para mim e disse “Por que ela faria
isso?” Eu quase morri de vergonha.
Não sei, aqui no Brasil, se pudesse ia ter gente que ia votar
trezentas vezes. É uma questão de cultura. Então, berço ou não
berço, ele só se torna importante se a criança fora do berço
tiver organização do espaço para provocar atividade legal. A
relação com o adulto estabelecida, que seja essa a relação, que,
no primeiro ano, que a gente viu, crie confiança do bebê no adulto.
Esse é o nosso desafio: criar na criança pequena a confiança no
adulto. A segurança no adulto. Ao mesmo tempo, o adulto oferece uma
atenção de qualidade para que a criança fique firme e tranquila,
curiosa para fazer as outras coisas.
O que vai concretizar a ação
da nossa proposta pedagógica na escola? Organização do espaço,
organização e uso do tempo, as relações entre os bebês, entre os
bebês e os adultos, não só o professor, os adultos, a faxineira
também está pensando o que é melhor para as crianças, como ela
contribui, a cozinheira, o que é melhor para as crianças e como ela
contribui. E a relação escola/família, importantíssimo. Essa
articulação nós precisamos fazer. Não substituir a família. Nós
somos parceiros. E parceiros que dividimos trabalho. A creche não é
mais o lugar onde a gente entrega a criança no fim da tarde limpinha
e arrumadinha. A creche entrega a criança no fim da tarde precisando
tomar um banho porque ela se esbaldou na creche, precisando ser
alimentada em casa porque a gente não precisa substituir a educação
alimentar e o culto da refeição em família. Nós não precisamos e
nem podemos substituir pai e mãe. Porque os pais precisam saber que
quando eles têm um filho eles tem de ter uma noção de como
alimentar essa criança. Isso não quer dizer que nós vamos decretar
que o capitalismo deixou de ser selvagem. Os pais precisam saber que
essa responsabilidade é deles. O nosso Estado brasileiro é muito
deseducador. Quando cria um serviço legal como a creche, acaba
criando na família de que agora não precisa se preocupar mais, que
a creche vai dar conta. Não, a creche faz uma parte. A outra parte a
família precisa fazer. A terceira coisa é o que a criança faz
enquanto ela vai para a creche, que atividades então. Esses
elementos concretizam a experiência pedagógica. O que articula é o
propósito.
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